terça-feira, 9 de novembro de 2010



As três coisas que o brasileiro mais gosta, não necessariamente nesta ordem
Uma coisa só
Pr.Ed René Kivitz

   As pessoas compram uma coisa só. Não importa se compram um sapato, uma BMW ou um ingresso para o teatro, estão comprando uma coisa só. Quem compra uma caneta, uma camisa do seu time ou uma viagem para Nova York está comprando uma coisa só. Os caras que estão tendo sucesso hoje descobriram isso. Os profissionais mais bem remunerados do nosso mercado são aqueles que sabem explorar esse fato. O que as pessoas estão comprando? Simples. Elas estão comprando um estado de espírito, ou se você preferir, um sentimento. Isso vale para quem vai ao estádio assistir um jogo de futebol, ao templo para rezar, e ao shopping para dar uma volta no sábado à tarde.

   A grande jogada nessa transação chamada compra e venda é a sensação que as pessoas experimentam durante a negociação. A grande sacada que mantém um produto campeão de vendas é que ele consegue gerar no consumidor uma sensação, um sentimento, um estado de espírito. Ninguém compra caneta apenas para escrever, camisa apenas para cobrir o corpo, ou bolsa apenas para carregar carteira e batom. E, diga a verdade, quando você sai do cinema do mesmo jeito que entrou, sai resmungando que o filme foi uma porcaria. E é exatamente por isso que você diminui a luz da sala e mete um smoth jazz no fundo quando quer relaxar no final do dia. Mudar o estado de espírito, mudar as sensações, gerar novas emoções, sentir alguma coisa, e de preferência diferente do que esta que estou sentindo agora, pois senão eu ficaria no mesmo lugar, ou não compraria o seu produto. Quer saber uma coisa?, o maior benefício de um serviço ou produto não é que ele faz pelo cliente, mas o que ele faz dentro do cliente. Sacou?

   E daí, o que é que eu tenho a ver com isso?, você diria. Bem, se você é consumidor, fique esperto, porque os caras já te descobriram e cada dia ficam sabendo mais coisas a seu respeito: o que você gosta e não gosta, o que faz você chorar, o que te mete medo, e o que você precisa para assinar aquele contrato. Até aí, nada de errado. Desde que você não esteja iludido na transação, isto é, sendo manipulado sem saber. Quer pagar mais, pague. Quer comprar aquela marca, compre. Mas não caia na esparrela de acreditar que aquele algodão com cavalinho é necessariamente melhor do que os algodões sem cavalinho.

   Agora, se você é o vendedor, então, meu amigo, você tem que saber uma coisinha a mais. O grande lance de uma venda não está apenas no estado de espírito do consumidor, mas também e principalmente no coração do vendedor. Em outras palavras, o ambiente da compra tem que estar alinhado com a proposta emocional-passional do produto-serviço. É aquela coisa de careca vendendo shampoo para queda de cabelo. O que a maioria dos vendedores ainda não sacou é que vendedor de emoção sem emoção é tão ridículo quanto gordo vendendo mais uma dieta revolucionária. Todo produto-serviço tem um valor agregado. E o ambiente da transação de sua compra e venda deve refletir esse valor. Ponto.

A bola, a transa e a venda
   Fui fazer uma palestra para um grupo de atletas. Pedi que eles me descrevessem uma bola feliz. Ficaram em silêncio, e então tentei ajudar, pedindo que dissessem o que poderiam fazer com uma bola de futebol, além de jogar futebol. Um deles disse que poderíamos usar a bola de banquinho, sentando em cima dela. Boa. Outro sugeriu que a gente pode murchar a bola para que ela sirva de peso para a porta não bater com o vento. Boa também. Lá pelas tantas um garoto falou que a bola pode ser uma peça de museu, e nesse caso a gente fica olhando para ela. Maravilhosa. Era tudo o que eu precisava. Perguntei para eles se achavam que a bola do gol mil do Pelé era uma bola feliz. A resposta veio de bate pronto, "Acho que ela foi feliz no dia do gol mil, mas hoje, no museu, deve ser uma bola infeliz". Bingo. Minha palestra poderia terminar ali mesmo. A conclusão é óbvia: uma bola feliz é uma bola em jogo. E por aí vai: uma pipa feliz é uma pipa ao vento; um peão feliz é um peão girando; um bambolê feliz é um bambolê bailando.

   O gol é o orgasmo do futebol, disse Nelson Rodrigues. Mas o gol não é o todo do futebol. O gol, aliás, é o fim do futebol. Cada vez que o gol acontece, começa tudo de novo. Que nem orgasmo. O orgasmo é o fim da transa. Quando o orgasmo acontece, começa tudo de novo (sabe lá depois de quanto tempo, mas começa!). O que quero dizer com isso é que a bola não é feliz apenas quando estufa as redes em gol. Uma bola feliz é uma bola em jogo. Uma espalmada de mão trocada, uma pancada de três dedos no travessão, uma matada no peito do zagueiro. Imagino como era feliz a bola enquanto Pelé olhava para ela e sussurrava segredos durante o minuto de silêncio. Uma bola feliz é uma bola em jogo. E se o orgasmo está no gol, a graça está no jogo. Assim como o ápice é o gozo, e o prazer é a transa.

   Compliquei? Calma lá. Ainda não. Essa era a diferença entre o Garrincha e os caneleiros de plantão. O Garrincha gostava do gol, mas gostava também do jogo. Não valia apenas empurrar para dentro do gol (sem trocadilhos), tinha que ser por baixo das pernas do zagueiro (sem trocadilhos). Além do gol, o jogo. E quanto mais prazeroso o jogo, mais arrebatador o gol. Assim é com a transa, não é? E sabe de uma coisa, assim como tem gente que gosta de fazer gol e não gosta de jogar, também tem gente que gosta de gozar mas não gosta de transar. E mulher nenhuma (penso eu) gosta de transar com esse cara.

   Tudo isso para dizer que todo produto tem um valor agregado. Todo ambiente de compra e venda deve estar alinhado com o valor agregado do produto negociado. O que determina o ambiente não é o fechamento da venda, mas sim o processo da venda. Em tese, o que determina o gol é o jogo bem jogado; o que determina o gozo, é a transa bem transada. E o que determina a venda, é o processo bem negociado. E sabe o que é incrível nisso tudo? Tem gente que gosta de vender mas não gosta de negociar. Não é vendedor, apenas trabalha em vendas, e ninguém quer comprar dele. A graça não está apenas na assinatura do contrato, mas em todo o processo de negociação: fazer conta de cabeça, oferecer um café na hora certa, mudar de assunto e voltar ao prazo depois de dois minutos, mostrar a foto mais uma vez, convidar o consumidor a experimentar o produto, e assim vai, às vezes minutos, outras, horas, e quem sabe, dias, meses e anos, até a assinatura do contrato.

Os campeões, os ratinhos e os que deram cambalhota
   Veja só. O cara entra na sua loja para comprar um carro, e do mesmo jeito que ele vai ter orgulho em mostrar para o cunhado que comprou um GM, você tem que ter orgulho de vender um GM. Produto: carro. Valor agregado: esbanjar o cunhado. Alinhamento do ambiente: aquela cara de "você vai abafar". Abre paréntesis. Perdoe o exemplo mesquinho, mas não me ocorreu nada melhor. Fecha paréntesis.

   A grande questão é como é que você consegue fazer aquela cara, isto é, alinhar o valor do produto com o valor do processo de negociação, gerar o ambiente de trabalho cheio de afeto, alegria e espontaneidade (ou sei lá que valores a sua empresa tem). Conheço caminhos. O primeiro é o mais simples: você faz isso naturalmente, por que você é desse jeito. Quer dizer, você não está transando do jeito que a revista feminina ensinou, você está apaixonado; você não está se movimentando em busca de espaço em campo, como o professor mandou, você é craque; ou, no caso, você não apenas trabalha em vendas, você é vendedor. Isso tem a ver com vocação, coisa de gente que diz "eu nasci para isso", "eu amo o que faço", "não me imagino fazendo outra coisa".

   O outro caminho, amigão, é treinamento. Que nem quando eu fui comprar um tênis na loja recém inaugurada no Shopping. Enquanto falava comigo, a moça do caixa era sorridente e atenciosa. Mas quando falava com a colega atrás do balcão, era mal humorada e irritadiça. Perguntei pra ela quanto tempo durara o treinamento. Quinze dias, foi a resposta. Saí de lá com a convicção reforçada: em quinze dias você não consegue mais do que condicionar, padronizar comportamentos, artificializar simpatias, colocar sorrisos de plástico na cara dos outros.

   O caminho do treinamento tem suas variáveis: auto-ajuda, neuro-linguística, conscientização. Mas a melhor prima irmã do treinamento é a motivação: doses diárias, sistemáticas, de estímulos e encorajamentos. Funciona assim: no início do dia você reúne sua equipe de vendas e dá uma dose de motivação na veia de cada um dos seus valentes vendedores; depois, você faz algumas promessas de recompensas; e depois coloca um catálogo bem bonito na mão deles e anuncia sorridente que "a partir de hoje nossa empresa vai deixar vocês estacionarem no subsolo, à sombra". Depois disso, você solta os ratinhos e fica esperando por eles com outro pedaço de queijo na manhã seguinte. À medida que o resultado vai satisfazendo, você melhora o queijo. E quando a coisa despencar, isto é, os ratinhos não obedecerem mais aos mesmos estímulos, você substitui os ratinhos, é mais fácil, embora muito mais caro.

A verdade verdadeira
   Fala a verdade. A maioria das empresas que você conhece trabalha desse jeito, não é ratinho? E eu já sei que você está louco para saber como sair desse labirinto e descobrir a terceira via. Pois eu lhe digo já, sem mais suspense. Caso você não seja um vocacionado quase naturalmente campeão, e não agüente mais esta vida de porão e roda com giro falso, sua alternativa libertadora é a autotransformação.

   A grande sacada, companheiro, é a seguinte: não importa tanto a qualidade do seu produto se você não é capaz de envolver seu cliente no ambiente certo. A verdade é que seu produto vai embalado não em papel, caixas ou ceras. Seu produto vai embalado em estados de espírito, sensações e sentimentos. E você tem que estar embalado nos mesmos moldes. E para estar embalado nos mesmos moldes, você não pode fazer de conta, primeiro porque a maioria dos clientes logo logo percebe, e depois porque cedo ou tarde você não vai agüentar manter as aparências, o sorriso fingido vai desaparecer da sua cara, indo direto para uma úlcera, ou coisa pior. Para embalar você, seu produto, seu ambiente de trabalho, seus processos e seus relacionamentos, não há substitutos para a autenticidade.

   Não importa o que você faz. Importa o que você é. Fingir orgasmo é rota suicida, e ninguém consegue fingir que é craque. No máximo, consegue fazer um gol de placa, sem querer, na maior sorte, e depois "não vende nunca mais".

   Entre o naturalmente feliz e o treinado para ser feliz, está a maioria dos mortais, pessoas como eu e você, que convivem com o desafio da autotransformação e da busca da felicidade. Uma felicidade não artificial, que brota de dentro para fora.

   Desculpa aí. Mas já falei demais e esse papo não tem fim. Não quero ensinar um truque. Quero desmascarar alguns. Não quero apresentar uma nova técnica. Quero convidar você a prosseguir numa grande aventura. A aventura de ser. Ser, para poder vender. Ser, para poder viver. Nesse caso, amigão, se você quer andar pelo caminho da autotransformação, você precisa mais do uma palestra, um seminário ou um programa motivacional. Você precisa tomar uma decisão. E depois colocar o pé na estrada, pois a viagem é longa e você não vai chegar lá a menos que dê o primeiro passo. O primeiro passo? Jogar fora os pacotes que venderam pra você. Já é um bom começo.

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